A Transformação do Flamengo: Uma Análise da Reconstrução do Clube em Documentário

A história de superação do Clube de Regatas do Flamengo, de uma instituição mergulhada em dívidas e lutando contra o rebaixamento para se tornar um dos clubes mais ricos e vitoriosos do Brasil, será contada em detalhes na nova série documental "A Reinvenção do Flamengo ". A produção, uma parceria entre o sportv e a Beyond Films, mergulha no processo de reestruturação do clube, revelando os bastidores dessa notável ascensão.

O Início da Reconstrução e os Desafios Financeiros

O documentário expõe a situação crítica em que o Flamengo se encontrava, com uma dívida de R$ 750,7 milhões, quase quatro vezes superior à sua receita anual de R$ 198 milhões. Uma das primeiras medidas para reverter esse quadro foi a negociação do contrato com a Adidas, que se tornou a nova fornecedora de material esportivo do clube. O acordo, costurado ainda na gestão de Patrícia Amorim, previa o pagamento de R$ 6 milhões como luvas, um valor crucial para sanar as finanças do clube.

Como recorda o ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello, "Acho que todo rubro-negro passou por essa situação (sentir vergonha do clube)". A série também aborda a complexa situação financeira do clube, com a consultoria internacional da Ernst & Young revelando o tamanho do endividamento.

Um dos momentos marcantes da gestão foi o compromisso com o pagamento das dívidas. "Fizemos uma reunião na Procuradoria da Fazenda Nacional, eu cheguei para o Procurador Geral e falei: 'O senhor pode ficar tranquilo porque a partir de agora está lidando com pessoas sérias. Semana que vem vai entrar um dinheiro no Flamengo , nosso contrato da Adidas, e esse dinheiro não vai nem esquentar no nosso caixa, vai vir todo para cá'", revela um dos gestores da época.

A Dispensa de Jogadores e a Busca por Equilíbrio

A série documental também aborda as decisões difíceis tomadas pela diretoria, como a dispensa de jogadores importantes. O fim do "Império do Amor", com a saída de Adriano e Vagner Love em 2010, é um dos temas explorados. Vagner Love, que retornou ao clube em 2012, foi uma peça fundamental na equipe, marcando 47 gols em 81 partidas.

Após a saída de Ronaldinho Gaúcho em 2012, Vagner Love se tornou a grande referência do time. O atacante havia sido adquirido junto ao CSKA (Rússia) por 10 milhões de euros. No entanto, o clube ainda devia cerca de R$ 16 milhões ao time russo, que propôs o perdão da dívida em troca da volta do jogador.

Paulo Pelaipe, ex-diretor executivo de futebol, relembra: "Foi muito difícil, tivemos tomadas de decisões importantes. Tivemos que abrir mão de jogadores importantes. Muitas vezes a gente foi incompreendido naquele primeiro momento pelo torcedor". Além dos jogadores de futebol, 20 judocas e oito ginastas, incluindo os irmãos Diego e Daniele Hypólito, também foram dispensados.

Aumento de Ingressos e a Reconstrução Financeira

Outra medida impopular, mas crucial para a recuperação financeira do clube, foi o aumento nos preços dos ingressos, especialmente nos grandes jogos. Na final da Copa do Brasil de 2013, os valores chegaram a R$ 800, gerando uma receita de R$ 9,7 milhões, a maior do país na época.

Bandeira justifica a decisão: "Aquela final no Maracanã nós praticamos um preço bem salgado, pediram até a minha prisão na época por causa disso, mas era necessário. Foi o que permitiu o Flamengo pagar o 13º salário". As premiações e bilheterias na reta final da competição renderam mais de R$ 20 milhões, e o título da Copa do Brasil pavimentou o caminho para o futuro do clube.

Luiz Eduardo Baptista, o Bap, ex-vice de marketing e atual presidente do clube, comenta: "Em 2013 a gente não tinha esse campo de visão da onde poderia chegar, ainda que nós fôssemos ousados e otimistas. Mas era muito assim: vendia-se o almoço para se pagar o jantar".

O Racha Político e a Continuidade da Gestão

A série também aborda a divisão interna no grupo que iniciou a reconstrução do clube em 2015. O racha político, que começou no fim do primeiro mandato de Bandeira, mostra a complexidade da gestão do clube. A "Chapa Azul", que havia sido vitoriosa em 2012, começou a se desfazer, e novas lideranças surgiram.

Bap relembra: "Eu falei: 'Wallim, ele (Bandeira) vai aceitar ser uma rainha da Inglaterra da gente? Vai aceitar estar com a gente no processo e entender que somos 6 ou 7 pessoas que vamos comandar o clube e ele vai ser um desses votos, mas que o voto dele não é prevalente sobre os demais?'".

O grupo que inicialmente era contra a reeleição se desfez. Wallim Vasconcellos concorreu à presidência em 2015, mas perdeu para Bandeira, que foi reeleito. Em 2018, a oposição, liderada por Rodolfo Landim, venceu as eleições. Após o primeiro mandato, nova ruptura: Bap passou a presidir o Conselho e Administração, e conquistou o último pleito.

A Importância da Alternância de Poder e a Visão do Jornalista

Para o jornalista Marcelo Pizzi, produtor da série, "O racha sempre vai ser uma coisa ruim, já que ali existia um grupo de pessoas que pensavam do mesmo jeito, tinham os mesmos objetivos e acreditavam que aquilo era possível. Mas olhando hoje para trás, eu acho que acabou sendo importante, porque você tem uma gestão que substitui o Bandeira, agora tem uma gestão Bap que a gente ainda não tem muito referencial... Mas acho que essa alternância no poder é saudável, inclusive para a democracia. E todos eles são caras muito envolvidos no Flamengo , cada um tem um estilo diferente de trabalhar".

Além de ex-presidentes, a série conta com entrevistas de ídolos como Zico, Júnior, Bruno Henrique e Gerson; e jornalistas como Eric Faria, Paulo Vinícius Coelho, Carlos Eduardo Mansur e Rodrigo Capelo. A produção também aborda o incêndio no Ninho do Urubu em 2019, considerado a maior tragédia na história do clube, e como o Flamengo lidou com o caso, que ainda não teve um desfecho.

A série "A Reinvenção do Flamengo " promete ser um retrato fiel da jornada de um clube que, através de decisões difíceis e muita superação, conseguiu se reerguer e se consolidar como uma das maiores forças do futebol brasileiro.